sexta-feira, 31 de janeiro de 2014
Amor - pois que é palavra essencial.
Amor - pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.
Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito de orgasmo,
num instante de infinito? O corpo noutro
corpo entrelaçado, fundido, dissolvido,
volta à origem dos seres, que
Platão viu completados: é um, perfeito em dois;
são dois em um. Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?
Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo, a fonte,
o fogo, o mel se concentraram.
Vai a penetração rompendo nuvens e
devassando sóis tão fulgurantes que nunca
a vista humana os suportara, mas, varado de luz,
o coito segue. E prossegue e se espraia de tal
sorte que, além de nós, além da prórpia vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando. E num sofrer de gozo
entre palavras, menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o climax: é quando o
amor morre de amor, divino. Quantas vezes morremos
um no outro, nu úmido subterrâneoda vagina, nessa
morte mais suave do que o sono: a pausa dos sentidos,
satisfeita.
Então a paz se instaura.
A paz dos deuses, estendidos na cama,
qual estátuas vestidas de suor,
agradecendo o que a um deus acrescenta
o amor terrestre.
=Carlos Drummond de Andrade=
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