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=PARA VIVER COM POESIA=
No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as
únicas que o vento não consegue levar:
um estribilho antigo, o carinho no momento preciso,
o folhear de um livro,
o cheiro que um dia teve o próprio vento...
=(Mário Quintana - Para Viver Com Poesia)=
...
quarta-feira, 5 de março de 2014
Catando os Cacos do Caos=
Catar os cacos do caos
como quem cata no deserto
o cacto
- como se fosse flor.
Catar os restos e ossos
da utopia
como de porta em porta
o lixeiro apanha
detritos da festa fria
e pobre no crepúsculo
se aquece na fogueira erguida
com os destroços do dia.
Catar a verdade contida
em cada concha de mão,
como o mendigo cata as pulgas
no pêlo
- do dia cão.
Recortar o sentido
como o alfaiate-artista,
costurá-lo pelo avesso
com a inconsútil emenda
à vista.
Como o arqueólogo
reunir os fragmentos,
como se ao vento
se pudessem pedir as flores
despetaladas no tempo.
Catar os cacos de Dionisio
e Baco, no mosaico antigo
e no copo seco erguido
beber o vinho
ou sangue vertido.
Catar os cacos de Orfeu partido
pela paixão das bacantes
e com Prometeu refazer
o fígado
- como era antes.
Catar palavras cortantes
no rio do escuro instante
e descobrir nessas pedras
o brilho do diamante.
É um quebra-cabeça?
Então
de cabeça quebrada vamos
sobre a parede do nada
deixar gravada a emoção
Cacos de mim
Cacos do não
Cacos do sim
Cacos do antes
Cacos do fim
Não é dentro
nem fora
embora seja dentro e fora
no nunca e a toda hora
que violento
o sentido nos deflora.
Catar os cacos
do presente e outrora
e enfrentar a noite
com o vitral da aurora
( Affonso Romano de Sant’Anna )
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